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04/02/2012

Estranhostória.

Ela não passava de uma garota vestindo unhas e batom vermelho. Com olhos de uma messalina encantadora e a cara lavada de santa criada em um ambiente nada familiar. Ele traduzia-se ao contrário dela. Olhos castanhos fixos num jornal de ontem, a expressão de quem não tem nada a perder. Sério, sisudo.  Lado a lado, desconhecidos e tão familiarizados um com o outro. Era difícil de explicar aquela química instantânea que ocorreu entre eles. Olhavam-se de maneira tão intensa que eram capazes de se despirem apenas com os olhares. E ninguém reparava, afinal, num ambiente como aquele, quem se importa em prestar atenção no alheio?

Uma aproximação nessa altura do jogo era quase contrariar as leis da física. Uma vodka para ela, um uísque 12 anos para ele. Histórias para contar. Ela sem reservas dizendo que não importava a opinião que ele teria depois que a noite acabasse. Ele dizendo que aquilo era um jogo e que estava ali para jogar. Combinados, subiram até um quarto simples. Ela com um frio na barriga que nunca havia sentido antes. Ele com uma sensação que o incomodava desde o momento que cruzara com aqueles olhos promíscuos.

Garrafa de tequila no criado-mudo, uma cama com um lençol vagabundo e cheiro de alfazema por todo o recinto. Receosos, queriam experimentar-se mas sentiam que se o fizesse, suas almas seriam uma da outra para sempre. Era aquele tipo de coisa que só acontece uma vez na vida. Cruzar com o verdadeiro amor e negar-se a acreditar nisso. Ele se recusava a acreditar que havia se apaixonado à primeira vista por uma mulher que usa o corpo como instrumento de trabalho. Ela queria tirar da cabeça o pensamento de largar tudo que sempre teve como vida e viver um conto regradamente certo que poucas pessoas tem a chance de experimentar.

Um pouco mais de esforço. Era seu trabalho, ela teria de conseguir afastar qualquer possibilidade ilusória de mudança de vida. Aquilo que ela pensava era impossível, em sua cabeça tão desorganizada e confusa.
- Desculpa, mas desce lá e escolhe outra menina, porque eu não vou conseguir fazer isso. Não hoje, não com você. É que, sei lá, eu não vou conseguir.

Um pouco mais de certeza. Era isso que ele precisava ouvir para cair numa armadilha com apenas duas opções: ou fugia daquela mulher ou fugia com aquela mulher. Decidiu não fazer escolhas.
- Não. Eu escolhi você. Se eu quisesse fazer isso com outra garota, teria a trazido até aqui e não a você. E se alguma coisa te impede, tudo bem. Eu espero você se acalmar. Pense melhor, estou ali na janela.

Respirou fundo. Uma , duas, três vezes. Ele havia decidido. Ela também.