Páginas

30/07/2013

Extraviados.

Eu não vim te procurar ou descobrir quem você. Sei disso tão bem quanto a idade que me sobra na carteira de identidade. Sei quem és e você, provavelmente, também sabe quem sou. Cada pedaço seu sabe quem sou. Como sou. Minhas crises nervosas de existência ou insegurança. Sabe que sou dada a lágrimas e palavras meio tortas e perdidas, e que quase sempre nada expressam. Assim como sei de referências e preferências suas. De como não dorme antes das quatro da manhã e que não gosta de café reaquecido. E como odeia uma vida requentada. Medianamente, você não faz parte da média que aceita o que oferecem. Ou tudo ou nada. Ódio ou amor, faça a sua escolha ao toque do sinal.

Não vim para dizer o quanto sua ausência me dói e como o gelo no inverno empalidece a minha alma. Ou o quanto suas ofensas não me ferem, ao contrário do seu silêncio. Tampouco vim implorar por migalhas que farão o meu almoço de amanhã. As avessas, meu prato feito fundo não as permite porque assim você o fez, montou-o de modo a me ensinar que migalhas deixam estômagos vazios. Aprendi também que álcool em cabeça vazia desatina e faz perder o (p)rumo. E que as palavras que voam vazias, as paredes não absorvem. Seu peito foi parede. Minha retórica, o vento.

Evito me deixar cair na falácia de não dizer nada e dizer tudo pelas entrelinhas, me desculpando por cada ato que não foi culpa minha. Fraqueza que aos meus olhos tão pouco me irritava, era o que incomodava até o santo cristo que não suportava pieguismos. Mas falava sobre dor, a minha dor ausente que veio roer minhas lembranças. Do seu sorriso dormindo, do sarcasmo fugaz que eu, irônica, não entendia. Da sala que eu deixei arrumada antes de sair e da ração da gata que eu esqueci de deixar antes de sair. Esqueci. Seus blusões no meu roupeiro e minha vida na sua cômoda, ao lado do álbum de figurinhas. Espero ainda estar lá.

Espero tanta coisa que eu não sei mais pelo quê desesperar. Minha calmaria me aflige, me inquieta. Preciso sentir dor, mas não consigo. Talvez por ter chorado tanto antes, agora minha água virou pó. Agonia sentia em silêncio como sempre tudo nesses dois pobres meses. Clichê do foi-pouco-tempo-mas-valeu não enquadra a nossa foto que eu nunca vi. Nossa imagem no espelho nunca refletiu pra mim.

Não vim te dizer para voltar. Nossa missa ainda é a mesma e frequentamos os balcões nos mesmos dias. Nossa torpe vida vai continuar a ser torpe, maculada e separada. Nossos olhos ainda se cruzarão entre as mesas e cadeiras de um lugar qualquer. Nossos sorrisos talvez se atravessem em alguma piada e se fechem por isso. Mas que não permaneçam assim. Somos muito mais que um desconforto.

Somos, até segunda ordem, o que quisermos ser. E o que eu quero, é não perder o contato contigo. Só.

28/07/2013

Presesperança

Por um momento, um breve momento, senti vontade de puxar uma cadeira e sentar. Compartilhar da cerveja que estava na mesa e não fui eu que paguei. Dividir risadas e conversas que precisavam escapar entre nós todos. Explicar o porquê eu andei afastada e como eu estava ansiosa para voltar correndo pr'aquele mundo tão recente e tão impossível de querer ir embora. Fazer renascer o brilho dos meus olhos que tem se ofuscado a cada dia pela lembrança de não estar mais lá.

Por um instante, um mísero instante, eu senti a coragem necessária para outra vez pisar em cima do meu orgulho tão ferido e fazer de novo o que eu sempre fiz. Uma mão me impediu. Me agarrou pelo braço e me disse não. Uma voz dentro de mim quis gritar, minhas pernas quiseram correr para tão longe quanto pudessem. Foi quando eu lembrei que fugir não resolve nada e pior, só agrava. Eu quis dizer que não houve propósito, mas agora não tem mais importância. Me interrogo se algum dia teve.

Por um minuto, um fugaz minuto, eu quis esquecer da minha história e deixar que a amnésia reinasse. Mas existe um sulco na carne que me impede. Por um desejo, que Deus me perdoe, eu quis voltar ao passado e costurar todas as feridas. Suturar todos os caminhos para que não se bifurcassem além do esperado. Eu quis, eu quero.

Mas pela distração e desastreza, essas são coisas que hoje a vida me nega. São coisas que preciso me negar porque eu necessito que a distância seja cumprida e que o ciclo se feche. Mas existe palavras que precisam ser ditas. Minha última lágrima de dor, a que eu tenho prendido por tanto tempo, necessita cair.

Eu quis puxar uma cadeira e sentar. Mas ao contrário disso, eu virei as costas e segui andando. É assim que precisa ser. Eu acho.

16/07/2013

Transeunte.

Quando todos estavam acordando, eu ainda não tinha ido dormir.

Não me permitia dormir sem entender o mínimo do que tinha acontecido naquele quarto, naquelas últimas horas. Do abraço ao tapa, tudo correndo pelos meus olhos de uma maneira completamente desconexa e sem sentido. O que foi que eu fiz? Como eu tinha acabado naquela sarjeta, com a maquiagem borrada e o coração aos saltos dentro do peito? O que aconteceu nessa última noite? Precisava de uma explicação que só eu poderia me dar. Mas eu não conseguia. Raios, por que eu não conseguia responder essa pergunta simples? No telefone uma chamada não atendida e na alma, o vazio de se sentir perdida.

Sentia frio, mas era fevereiro. Era domingo. Era carnaval. O bloco não demoraria a passar. E eu continuava estática, na areia da praia, olhando pro nada. Na cabeça uma interrogação, na carne um arranhão e no peito, um vazio. Era tarde e eu não queria mais pensar naquilo. Quando é festa, o que nos exigem é diversão. Eu só queria entender o motivo da existência humana e debater Foucault numa mesa de bar com todos os cultos do universo. Mas que droga, eu não sou culta, por que de querer isso? Era um vírus, uma loucura. Como todas as outras, como tudo que já tinha acontecido.

Garrafas jogadas pelos cantos e o cheiro de vinho impregnado na minha roupa. Talvez de volta aos tempos Medievais, talvez uma rainha. Talvez uma nobre imponente ou somente a filha de um ferreiro qualquer, que apenas serve para dar luz a bastardos. Despertei. Meus sonhos cada vez mais confusos, minha mente cada vez mais distorcida. O que é verdade em tudo isso? Na mão uma faca, no chão sangue e no espelho... nada. Eu não me via refletir. Eu não existia mais. Minhas dúvidas me consumiram e me tomaram, até me transformar em pó. Por que ainda dói meu peito, se não existe mais nada aqui dentro?

De volta à realidade, um posto de gasolina e uma saudade. Por que precisa ser assim? Talvez o tempo cure, talvez os ventos mudem. Talvez uma vida toda. Talvez seja um quase nada escondido nas entrelinhas da esperança que apodreceu e que não tem a mínima vontade de renascer. O que está morto, não pode morrer. Se morrer uma vez, permaneça morto. Ninguém disse adeus. Não existe adeus pra uma coisa que não existiu. Ninguém se despede de um amigo imaginário. O imaginário apenas te impulsiona, porque no demais, ele não existe.

12/07/2013

Sobre a Inutilidade Da Segunda Chance

É simples.

Querer consertar, lixar e pintar as partes feias não vai mudar em nada o que aconteceu antes. Nada que cai volta intacto às mãos quando retirado do chão. Fica sempre um arranhão que mesmo escondido, se sente a ranhura.

É como aquecer comida. Ela pode ser gostosa o suficiente e não perder o sabor, mas o queijo da lasanha não derrete da mesma maneira se reaquecido. Café em segunda fervura perde o gosto. Ou assume a hipótese de jogar fora se sobrar ou vai com toda a fome do mundo e devora o que te é oferecido.

E embora se tente infinitamente lutar contra a ideia que a tudo pode se dar uma segunda chance, sempre haverá algo que impede de ser como antes. Quando existe o medo, até as palavras mudam seu tom. Muda a essência da singularidade que era. O que era único e sutil, agora se pede em frases e se conta o tempo pra não (se) machucar.

Assim como a pizza, relacionamentos não foram feitos para o micro-ondas.