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25/02/2012

Carta Anônima

Tenho trabalhado tanto, mas penso sempre em você. Mais de tardezinha que de manhã, mais naqueles dias que parecem poeira assentada aos poucos, e com mais força enquanto a noite avança. Não são pensamentos escuros, embora noturnos. Tão transparentes que até parecem de vidro, vidro tão fino que, quando penso mais forte, parece que vai ficar assim clack! e quebrar em cacos, o pensamento que penso de você. Se não dormisse cedo nem estivesse quase sempre cansado, acho que esses pensamentos quase doeriam e fariam clack! de madrugada e eu me veria catando cacos de vidro entre os lençóis. Brilham, na palma da minha mão. Num deles, tem uma borboleta de asa rasgada. Noutro, um barco confundido com a linha do horizonte, onde também tem uma ilha. Não, não: acho que a ilha mora num caquinho só dela. Noutro, um punhal de jade. Coisas assim, algumas ferem, mesmo essas são sempre bonitas. Parecem filme, livro, quadro. Não doem porque não ameaçam. Nada que eu penso de você ameaça. Durmo cedo, nunca quebra.

 Daí penso coisas bobas quando, sentado na janela do ônibus, depois de trabalhar o dia inteiro, encosto a cabeça na vidraça, deixo a paisagem correr, e penso demais em você. Quando não encontro lugar para sentar, o que é mais freqüente, e me deixava irritado, agora não, descobri um jeito engraçado de, mesmo assim, continuar pensando em você. Me seguro naquela barra de ferro, olho através das janelas que, nessa posição, só deixam ver metade do corpo das pessoas pelas calçadas, e procuro nos pés delas aqueles que poderiam ser os seus. (A teus pés, lembro.) E fico tão embalado que chego a me curvar, certo que são mesmo os seus pés parados em alguma parada, alguma esquina. Nunca vejo você — seria, seriam?

 Boas e bobas, são as coisas todas que penso quando penso em você. Assim: de repente ao dobrar uma esquina dou de cara com você que me prega um susto de mentirinha como aqueles que as crianças pregam uma nas outras. Finjo que me assusto, você me abraça e vamos tomar um sorvete, suco de abacaxi com hortelã ou comer salada de frutas em qualquer lugar. Assim: estou pensando em você e o telefone toca e corta meu pensamento e do outro lado do fio você me diz: estou pensando tanto em você. Digo eu também, mas não sei o que falamos em seguida porque ficamos meio encabulados, a gente tem muito poder de parecer ridículos melosos piegas bregas românticos pueris banais. Mas no que eu penso, penso também que somos mesmo meio tudo isso, não tem jeito, e tudo que vamos dizendo, quando falamos no meu pensamento, é frágil como a voz de Olivia Byington cantando Villa-Lobos, mais perto de Mozart que de Wagner, mais Chagal que Van Gogh, mais Jarmush que Wim Wenders, mais Cecília Meireles que Nélson Rodrigues.

 Tenho trabalhado tanto, por isso mesmo talvez ando pensando assim em você. Brotam espaços azuis quando penso. No meu pensamento, você nunca me critica por eu ser um pouco tolo, meio melodramático, e penso então tule nuvem castelo seda perfume brisa turquesa vime. E deito a cabeça no seu colo ou você deita a cabeça no meu, tanto faz, e ficamos tanto tempo assim que a terra treme e vulcões explodem e pestes se alastram e nós nem percebemos, no umbigo do universo. Você toca na minha mão, eu toco na sua.

 Demora tanto que só depois de passarem três mil dias consigo olhar bem dentro dos seus olhos e é então feito mergulhar numas águas verdes tão Cristalinas que têm algas na superfície ressaltadas Contra a areia branca do fundo. Aqualouco, encontro pérolas. Sei que é meio idiota, mas gosto de pensar desse jeito, e se estou em pé no ônibus solto um pouco as mãos daquela barra de ferro para meu corpo balançar como se estivesse a bordo de um navio ou de você. Fecho os olhos, faz tanto bem, você não sabe. Suspiro tanto quando penso em você, chorar só choro às vezes, e é tão freqüente. Caminho mais devagar, certo que na próxima esquina, quem sabe. Não tenho tido muito tempo ultimamente mas penso tanto em você que na hora de dormirvezenquando até sorrio e fico passando a ponta do meu dedo no lóbulo da sua orelha e repito repito em voz baixa te amo tanto dorme com os anjos. Mas depois sou eu quem dorme e sonha, sonho com os anjos. Nuvens, espaços azuis, pérolas no fundo do mar. Clack! como se fosse verdade, um beijo.

 [Caio F. Abreu in Pequenas Epifanias]

Resquícios de Plantas Cegas



Não cabem mais meias palavras e você insiste no zero a zero. Quando o calor do verão se aproxima, você corre. Enquanto todas as folhas caem no outono, você me pede as flores. Te sonho inteira e me apareces inconstante. Busco "all you need is love" e você rebate"love is war".

Você criança quer andar de salto 15. Você adulta dá risada assistindo Tom e Jerry. Proponho a você um cinema e pipoca e você bate o pé em rave e energético. Quando me permito desistir, suas mensagens durante a madrugada me imploram para voltar. Te quero como um vício e você só me oferece doses homeopáticas.

Estranha.

Entretanto o que nos une é isso. Todas essas diferenças de um para o outro que a convivência evita melhor. Esse amor não nasceu; foi criado. Ele não crescerá, mas continuará vivo. Não tem raiz, só que nos prenderá mesmo assim. Impossível lidar. Impossível aceitar. Impossível esquecer.

22/02/2012

Convicções de Estrela Caída




É estranho voltar a algum lugar e perceber que todos ainda lembram o teu nome.
É estranho perceber que embora o tempo possa ter passado, certas coisas nunca mudam. Nunca mudaram. Não mudarão.
É estranho voltar pro teu ninho e sentir que ali não é mais o teu ninho.
E mesmo assim sentir coisas que há tempos não sentia.
Ver a alegria nos olhos de quem te viu crescer e que te vê hoje mudada.
Quem sabia de todas as tuas vontades, teus esforços e tua dedicação para que tudo fluísse bem.
Mas ao mesmo tempo em que a acolhida pode ser (re)feita, surge a certeza de tempo imperdoável que corre com impressionante rapidez.
O sonho não é mais o mesmo. Embora o antigo ainda esteja adormecido por não ter sido concluído com tamanho êxito.
Mas outras pessoas estão dispostas a concluí-lo.
Meu tempo passou e eu aprendi a ser livre a minha maneira.
Sem compromissos, sem amarras.
Não que eu não deseje voltar, não que eu não anseie voltar a passear canções lindas.
Mas agora eu perdi o ritmo. E não as danço.
Apenas escrevo lembranças de um tempo perdido e passado que era bom.
E que agora está mudado.

18/02/2012

Contrapondo Espelhos



Vamos colocar de uma vez por toda essa história que a gente tem ou finge que tem, em pratos limpos. Assim como eu, você sabe que é extremamente cômodo nos encontrarmos a cada trinta dias para poder desopilar. É bom, é divertido. Mas principalmente, é prazeroso. E eu não digo só em quesitos carnais, muito além disso. Me refiro ao fato de que a gente se renova, fica pronto e preparado para o que tiver que enfrentar nos próximos dias até o próximo encontro quando novamente risadas gostosas e escandalosas invadirão o recinto onde nós estaremos e arredores. É praticamente uma dádiva poder ter esses momentos de tranquilidade ao seu lado.

Mas só que essa comodidade pode alguma hora descambar pro sentimentalismo e alguma das partes, senão ambas, saírem machucadas. É complicado esse relacionamento PA exatamente por isso, uma hora alguém fica carente demais e pimba, erra a mão e acha que ama. Não, não ama. E nem sequer quer passar a vida inteira ao lado. Isso é carência, é a saudade do afago nos cabelos de madrugada. Lembra que no nosso contrato isso existe, mas sem nenhuma intenção de amanhecer com café na cama. Sem nenhuma segunda intenção. É isso e apenas isso. 

Existirão aquelas músicas tão românticas quanto pedidos de casamento enquanto a gente se olha de uma forma tão profunda que é capaz de despir a alma. Existirão aqueles momentos em que você vai precisar me abraçar e simular uma afeição apaixonada pra despistar qualquer mala inconveniente que insiste em dizer que me ama. E vamos rir disso porque realmente é engraçado. E vamos nos entregar a fundo porque é a ordem. Mas é só isso. Não há nenhuma hipótese remota de uma história de contos de fadas com final feliz pra gente. Porque não acreditamos. Porque não fazemos por merecer.

Agora, enquanto nossos corpos nus rolam nessa cama rindo porque alguma piada foi muito boa, eu entendo o porque nossa relação foi classificada como é. Somos amigos e estamos interessados na mesma coisa. Sem apegos, sem sentimentos. Sem dor. Mas é inevitável, sendo o que você é e eu sendo que eu sou, perceber o que nós somos quando estamos juntos. 

08/02/2012


Quando o inverno chegar
Quando o frio começar
Tudo ficará mais bonito
Cores até então escondidas
Trarão toda a sua sóbria energia.

Quando o inverno chegar
Trazendo todo aquele aconchego
Fazendo do sol ator principal
De dias intensos de alegria
Guiados pela vontade

Quando o inverno chegar
Virá o som melodioso da chuva
Fazendo de suas gotas um coral
Cantando músicas de esperança nascente
A cada vez que encontram uma janela

Só quando o inverno chegar...

04/02/2012

Estranhostória.

Ela não passava de uma garota vestindo unhas e batom vermelho. Com olhos de uma messalina encantadora e a cara lavada de santa criada em um ambiente nada familiar. Ele traduzia-se ao contrário dela. Olhos castanhos fixos num jornal de ontem, a expressão de quem não tem nada a perder. Sério, sisudo.  Lado a lado, desconhecidos e tão familiarizados um com o outro. Era difícil de explicar aquela química instantânea que ocorreu entre eles. Olhavam-se de maneira tão intensa que eram capazes de se despirem apenas com os olhares. E ninguém reparava, afinal, num ambiente como aquele, quem se importa em prestar atenção no alheio?

Uma aproximação nessa altura do jogo era quase contrariar as leis da física. Uma vodka para ela, um uísque 12 anos para ele. Histórias para contar. Ela sem reservas dizendo que não importava a opinião que ele teria depois que a noite acabasse. Ele dizendo que aquilo era um jogo e que estava ali para jogar. Combinados, subiram até um quarto simples. Ela com um frio na barriga que nunca havia sentido antes. Ele com uma sensação que o incomodava desde o momento que cruzara com aqueles olhos promíscuos.

Garrafa de tequila no criado-mudo, uma cama com um lençol vagabundo e cheiro de alfazema por todo o recinto. Receosos, queriam experimentar-se mas sentiam que se o fizesse, suas almas seriam uma da outra para sempre. Era aquele tipo de coisa que só acontece uma vez na vida. Cruzar com o verdadeiro amor e negar-se a acreditar nisso. Ele se recusava a acreditar que havia se apaixonado à primeira vista por uma mulher que usa o corpo como instrumento de trabalho. Ela queria tirar da cabeça o pensamento de largar tudo que sempre teve como vida e viver um conto regradamente certo que poucas pessoas tem a chance de experimentar.

Um pouco mais de esforço. Era seu trabalho, ela teria de conseguir afastar qualquer possibilidade ilusória de mudança de vida. Aquilo que ela pensava era impossível, em sua cabeça tão desorganizada e confusa.
- Desculpa, mas desce lá e escolhe outra menina, porque eu não vou conseguir fazer isso. Não hoje, não com você. É que, sei lá, eu não vou conseguir.

Um pouco mais de certeza. Era isso que ele precisava ouvir para cair numa armadilha com apenas duas opções: ou fugia daquela mulher ou fugia com aquela mulher. Decidiu não fazer escolhas.
- Não. Eu escolhi você. Se eu quisesse fazer isso com outra garota, teria a trazido até aqui e não a você. E se alguma coisa te impede, tudo bem. Eu espero você se acalmar. Pense melhor, estou ali na janela.

Respirou fundo. Uma , duas, três vezes. Ele havia decidido. Ela também.

I Believe in Life After Love. you Have Believe.

Ontem, enquanto ouvia um programa de músicas do anos 80/90, a frase de canção me chamou muito a atenção. Uma música que deveras sempre gostei bastante, mas nunca tinha me prendido a fazer filosofias quanto a ela. Mas dessa vez quando a Cher entoou "do you believe in life after love?", isso me veio como um soco na boca do estômago e junto com esse incômodo me surgiu o pensamento de que será mesmo que alguém tem dúvidas quanto a isso? Pessoas ainda acreditam que tudo acaba junto com um amor? Minha resposta mental foi imediata.

Foi uma resposta afirmativa, que insistia em me contrariar dizendo que tudo morre. Eu já sofri assim. Já achei que depois do amor, do afeto, do carinho gratuito e sem esperas, de todas essas coisas lindas que só o amor é capaz de trazer, o que vem é a dor. O que não deixa de ser verdade. Quando uma relação acaba de maneira abrupta e repentina, o que se manifesta é apenas a dor. É como se tudo isso que você compartilhou, não valesse de nada. Como se a pessoa que dividiu isso com você, tivesse morrido. Mas ela continua viva. E é esse o ponto. Ela continua viva. E porque, diabos, você teria de matar-se em vida por isso? É claro que vai doer, claro que você vai chorar, vai ficar meio fora de ar por algum tempo, mas você acima de tudo vai estar com sangue correndo nas veias.

Lembra que, mesmo durante a sua dor, o sol continuará nascendo, as árvores vão florescer, crianças vão sorrir por coisas banais e você vai expirar e inspirar muitas vezes. É bíblico. A dor pode durar uma noite, mas a alegria vem ao amanhecer. Quando você se der conta, estará nascendo com o sol outra vez, vai admirar o desabrochar das flores brancas do maracujá, vai sorrir ao ver as crianças sorrindo por futilidades. E vai perceber, assim meio que de súbito mesmo, que está feliz de novo.

E você precisa continuar acreditando. No amor, na vida, na vida depois do amor, na dor. Em tudo. Se você não tem algo em que acreditar, você não vive. Sobrevive apenas.

E se eu acredito na vida depois do amor? Sim, eu acredito.

01/02/2012

Just Smile.



E considerando todos os sonhos perdidos. Tendo em vista todas as vezes que tentou e não conseguiu. Levando em conta todas as rasteiras que levou da vida, se entende porque ela sorri tanto. Um sorriso sincero de quem ainda é inocente. Um sorrisinho de moça guerreira e que não desiste tão fácil das coisas da vida. Porque sua coragem lhe dá o dobro de todo o impulso necessário para não parar de correr. Porque sempre vai existir uma maneira para se curar quando se machucar.
Ela não quer pisar em ninguém, ela não quer ser dependente de ninguém. Apenas quer poder ser ela mesma independente do preço que isso custe. E se tiver que pisar em alguém para que isso aconteça, ela o fará. Tantos já a magoaram e pisaram nela pelo mesmo motivo, o que a faria imune disso?
Aprendeu que, independente de ser ou não feliz, precisa somente sorrir.
Além. Amém.